Translate

sábado, 14 de abril de 2007

Feira de Ciências – Passo Fundo – RS.

Lembranças, lembranças, lembranças... Esta história que ocorreu pelos idos de 1968 e retornou a pouco pelo reencontro de uma de suas participantes hoje a Senhora Fátima Ribeiro.

Quanto às datas é muito difícil precisar, imaginar que um jovem de aproximadamente treze anos pense que aqueles momentos formarão a história da sua vida é querer muito apesar de que hoje eu daria este conselho a um jovem de fazer o seu diário, ler a própria história é vivê-la duas vezes. Mas os fatos abaixo descritos foram reais e de uma maneira que só a internet hoje pode proporcionar talvez os amigos que dele fazem parte poderão testemunhar e também poderão colocar como eles viram a mesma situação vivida. Com exceção do meu grande amigo Victor Emanuel que já é falecido há quase trinta anos.

Estudava eu no Colégio Estadual do Paraná em um sistema chamado classes integrais que consistia em uma nova experiência de ensino em que o aluno estudava de manhã e de tarde. Éramos uma turma poderosa selecionados por um vestibular e basta dizer que desta turma os únicos que não se tornaram doutores em medicina, engenharia, etc. fui eu que sou comerciante e um amigo chamado Sérgio Machado que se tornou executivo de fronteira trazendo muamba do Paraguai. O Lee personagem que mencionarei a frente me consta que se formou, mas também se encaminhou para o comércio e é o proprietário da Casa China em Ciudad Del Est.

Esta ida a Feira de Ciências de Passo Fundo iniciou-se ainda em Curitiba quando o colégio foi sede da FEMUCI – Feira Municipal de Ciências। Por algum motivo que não me recordo e não posso ver a lógica, dois companheiros de sala o Tito Livio Ronconi e o Lee Tse Tchun me convidaram a integrar a equipe, o projeto deles era expor foguetes que efetivamente voavam e mais um aparelho que utilizando o teorema de Pitágoras nos dizia a que altura ele tinha chegado. Bem eles não erraram muito, se eu não tinha os predicados deles em relação a uma vida mais regrada não me furtei a colaborar e uma das tarefas era arrumar uns tubos de papelão grosso que servem para enrolar tecidos, eles serviam para formar o corpo do foguete, o combustível que era uma mistura que entrava açúcar e outros ingredientes que mesmo citando eles trocentas vezes por dia enquanto duraram ambas as exposições hoje não me recordo mais a não ser o quanto ele era muito inflamável. O cordão de partida era um estopim que o exército forneceu (Não me lembro como?) só o fato que dispúnhamos dele em quantidade suficiente para testes e demonstrações.


Na FEMUCI em Curitiba – Da esquerda para a direita – Lee Tse Tchun, Tito Livio Ronconi, eu e o Victor Emanuel Mendes e Silva.
Por que estava sem uniforme no dia desta foto não sei e para não pensaram que eu era um marginal querendo destoar do resto pela aparência digo que não e cito que inclusive em uma saída de final de aula a diretora me escolheu por estar com o uniforme mais correto (Thanks Mammy) para participar e entregar um... Placa? Flores? Milhão de dólares? Para um diretor? Chefe da Tribo? O fato é que fui lá e entreguei a ele na frente de um monte de gente em um auditório do colégio e se me lembro que o nome dele era Eros Gradowski talvez pelo ritmo, o nome tem uma sonoridade agradável como também me lembro e gosto da pronúncia de Irmãos Knolfoltz que eram os proprietários das lojas de malas Ika. Duro na vida é se chamar João.



A foto tinha finalidade de comprovar que eu andava arrumado, mas de repente olhando a minha escrivaninha se tem uma idéia da época, o rádio de pilha era o som, a flâmula do Atlético Paranaense tem o retrato do Jofre Cabral, o boneco Mug era o do Chico Buarque। Foto de João Batista de Mello.


Tenho certeza que fomos muito bem nesta feira, não que me lembre disto, mas como fomos os únicos a ser indicados para participar em nome do Paraná da Feira de Ciências de Passo Fundo o nosso negócio devia ser muito bom.

O fato é que não me lembro como pegamos as passagens e outros detalhes, mas me lembro de um fundamental, era necessário alguém de maior nos acompanhar e eis que eu proponho a equipe que levássemos o Victor que conforme podem conferir na foto já era um adolescente com cara de maduro embora fosse apenas um ano mais velho que eu. Bingo a equipe aceitou e a responsável do Colégio engoliu que ele era maior de idade.

Os detalhes se espraiam, então a recordação é que cada um de nós ficou separado e em uma casa de família e o nosso ponto de encontro era na feira. No primeiro dia fizemos à instalação, no segundo foi aberto ao público e no terceiro foi uma demonstração em um campo em que lançamos o foguete juntamente com outras equipes do Brasil que tinham usado o mesmo tema.

Então a seqüência segue em flashs:

Minha primeira namorada oficialmente falando, não que mocinhas, moçonas e senhoras fossem desconhecidas, a lembrança disto remonta ao jardim de infância, mas com o tratamento oficial de namorada aconteceu nesta bela cidade de Passo Fundo e ela se chama... Chama-se... arf talvez Sônia? Regina? Quem sabe a moça que ofuscou este namoro saiba por que foi ela que desencadeou a vontade de colocar este relato e o nome dela não esqueci e ótimo saber que ela também não me esqueceu estou certo Fátima?



Algo muito curioso aconteceu que marcou intensamente em uma fotografia mental, em determinado momento na feira precisei de banheiro e não quis usar o comum a todos, então ela e eu fomos até a casa que eu estava hospedado e me instalei no trono, o banheiro é minha igreja e nele o tempo para, quando eu saio (É Regina, sim eu acho que é Regina) lá estava ela no meio da sala de pé com as pernas se cruzando apertadas em volta de um lago de urina hehehe, esperar o Leopold sair do banheiro continua sendo dramático até hoje e ainda mais que ele é uma mini-biblioteca. Sei que não dei importância e que me lembre ela entrou no banheiro se recompôs e voltamos à feira. Doces beijos terno e breve namoro.

Na feira fomos muito bem e o nosso stand era muito visitado, sempre que terminávamos a explanação do funcionamento do foguete e de como mediamos à altura que ele alcançava nós fazíamos uma demonstração do poder do combustível que o impulsionava queimando uma porção pequena que surtia um belo efeito. O grande efeito foi quando por minha culpa deixei próxima a lata que tinha toda mistura que usaríamos naquele dia e a explosão resultante foi realmente atrativa. Ninguém se feriu e recompusemos o stand.

Em breve o Victor apareceria também com uma namorada que acabou se tornando uma grande amiga a Dagmar. Paixão forte dele mais adiante ela acabou indo para Curitiba ao nosso encontro. Uma amizade inesquecível que a longo tempo não revejo, mas que talvez agora pelo contato com esta minha amiga que desencadeou o relato a Fátima talvez ela acabe criando esta possibilidade.
E a Fátima? Esta bela senhora que mencionei no inicio do relato foi à razão da dissolução do meu primeiro namoro (Que vida longa em apenas três ou quatro dias), não me lembro quando eu a vi pela primeira vez, mas sei que fiquei enfeitiçado pela beleza dela e terminamos indo juntos em uma festa de encerramento que se realizou em uma boate (?) na cidade। Algumas coisas eu me recordo desta situação, primeiro que não chegamos a namorar, segundo é que nesta boate nós sentados na mesa e ela me convidou para dançar e está uma coisa que até hoje eu sou completamente inabilidoso e terceiro quando veio um rapaz para tirar ela para dançar, aí a coisa ficou esquisita e me lembro que enquanto eu falava ao mesmo tempo cutucava o Victor que estava dormindo junto à mesa em umas cadeiras que ele havia juntado, o fato que ele acordou viu a situação e se levantou e disse para o caboclo que a menina estava comigo deixando bem claro que não haveria mais respostas e conhecendo o Victor e sabendo da violência que ele era capaz digo que foi saudável a pessoa pedir desculpas e se retirar. Seja como for ou por eu não dançar ou por o Victor atrair sem intenção os olhos desta moça sei que fiquei sem ao menos sentir o gosto dos seus lábios, mas em troca fiquei com uma amiga que este ano me encontrou e a nossa amizade foi reativada pelas facilidades da internet.

Fácil de entender o porquê desta paixão, a Fátima é a primeira à direita.
Quando fomos ao campo para lançarmos nosso foguete mais cinco equipes também iam fazer seus lançamentos, que eu me lembre só uma do Rio de Janeiro conseguiu o intento com um belo efeito, inclusive o corpo do foguete deles era de metal e com tanto funcionalismo público e tantos militares lá não me surpreenderia se eles tivessem tido a assistência de um técnico. Mas se a nossa intenção não foi cumprida a risca a balburdia que criamos também não deixou a monotonia tomar conta, quando acendemos o nosso estopim ele acabou falhando criando uma situação complicada, então eu voltei na plataforma e com a ponta de um cigarro o reacendi como o tempo daí era muito curto para a ignição não consegui firmar bem ele e quando deu a partida saiu da guia e disparou rente ao chão, para um foguete projetado para ir a uns quatrocentos metros de altura dá para imaginar a confusão no publico, para sorte geral ele acabou subindo e desapareceu em um lado não habitado.

Voltei um par de vezes a Passo Fundo, levei um pouco de mim para ela e trouxe muito dela para mim.

domingo, 8 de abril de 2007

Muito prazer Aconcagua!

Esta é uma história real em que a precisão do tempo acontecido se perde, mas as precisões dos intervalos que os fatos ocorreram são quase absolutamente corretas.

Ela começa em um dia da semana (Quarta-feira?) pela manhã quando este meu grande amigo Tiaraju Fialho representante comercial e alpinista se encontrava no meu escritório. A base que iniciou o nosso conhecimento foi profissional e a que iniciou a nossa amizade foi o profundo gosto em ouvi-lo contar suas experiências em montanha. E para não variar nesta manhã ele estava a me contar a sua tentativa de escalar a montanha chamada Aconcagua na cordilheira dos Andes, o pico máximo em altura nas Américas e um dos mais altos do mundo somente perdendo para as montanhas da cordilheira do Himalaia que tem em seu máximo o Everest.

Em determinado momento perguntei – Tiaraju é possível como turista visitar a montanha? A resposta foi positiva e incluiu até uma pousada próxima “pero no mucho” do parque onde se situa a montanha. A pergunta seguinte mais ou menos literal – Vamos já para lá? Retirando aqui da escrita uns pequenos preâmbulos ele sacou do bolso um cartão do hotel Puente de Los Incas (Que bela coincidência) e ligamos para lá para confirmar se era possível visto que era inverno. A resposta do hoteleiro foi que era possível, mas que ele não indicava porque já estavam com mais de seis metros de neve acumulado. Em seguida em breves palavras – Tiaraju você arruma as roupas para irmos para lá? Sim – Você compra as passagens em Curitiba? Sim – Vamos? Sim. E ele se mandou para providenciar. Logo no começo da tarde recebo uma ligação dele me perguntando – É sério mesmo esta história? Putz Tiaraju é sério mesmo falei então ele riu e falou que já estava com as passagens na mão e logo mais traria as roupas para eu experimentar.

As roupas de alta montanha são algo espetacular, relativamente leves são projetados para enormes frios frutos de uma alta tecnologia com exceção das botas que pesavam muito e consistiam para a proteção dos pés em uma meia especial depois uma bota de couro forrada e mais uma bota de plástico duro que se vestia sobre a outra bota e daí finamente os grampos para gelo. As roupas e as botas vestiram sobre medida embora até hoje ainda não agradecesse ao alpinista a quem o Tiaraju pediu elas emprestada. O resto do material do acampamento ele tinha e as nossas mochilas ficaram somente com aproximadamente 70 quilos cada uma como atestamos na balança do aeroporto.

Na manhã seguinte fomos de carro para São Paulo e pegamos um avião para Buenos Aires onde descemos no aeroporto de Ezeiza e em seguida fomos de táxi até o outro aeroporto chamado Aeroparque Jorge Newberry onde saem os vôos internos do País e lá embarcamos no avião para a cidade de Mendonza que fica no sopé dos Andes.

É muito necessário para um perfeito entendimento desta bela aventura é conhecer o Tiaraju, naquela época como até hoje ele é uma pessoa que se diferencia imediatamente de qualquer grupo de humanos, a sua altura é normal, mas seu corpo não tem uma gota de gordura, tudo nele são músculos e seus pés e mãos são na verdade garras e ganchos que ele utiliza para escaladas livres em pedras o que ele faz com incrível naturalidade. E absolutamente não tem o menor receio de altura como irão ler mais adiante no meu relato. A foto abaixo foi tirada por mim no Aeroparque.


Olhem abaixo mais de perto:

Uma bela figura forjada para as montanhas.


Chegamos a Mendonza próximo às quatro horas da tarde e já providenciamos as compras de passagens do ônibus que nos levaria para o alto dos Andes. Providenciamos um hotel e fomos conhecer a cidade e comprar alguns outros mantimentos. Era a minha primeira viagem a Argentina e as experiências relatadas do Tiaraju não davam uma boa característica da índole dos argentinos. Ele é uma pessoa altamente explosiva e digo com tranqüilidade de extrema periculosidade em uma briga, o incauto que o subestimar provavelmente irá ficar com a respiração falha para o resto da vida se uma daquelas mãos alcançarem o pescoço. O fato pelos relatos e pelo que eu sentia esta tensão era meio rotina estando com ele e eu ainda não sabia por que isto ocorria. Em Mendonza fomos a um café e meio como de costume entramos e sentamos. Putz nós levamos um banho de cadeira porque nenhum garçom nos atendia e antes que o Tiaraju decidisse quebrar tudo fomos até o balcão onde nos atenderam com completo descaso. Comigo sempre apaziguando os argentinos escaparam desta e eu me pus a refletir o porquê disto. Antes de chegarmos a Puente de Los Incas já tinha chego a uma conclusão que era – Não se antecipa a nada, entra-se no comércio ou no ambiente deles e espera-se ser atendido e daí, e daí caros amigos é só o prazer de usufruir uma hospitalidade e um atendimento cortês e preciso. Depois de várias viagens a este País maravilhoso eu confirmo esta fórmula de absoluto sucesso e que tantos brasileiros acostumados a comer por quilo e usarem ambientes self service não percebem.

De manhã em um belo ônibus bem envidraçado começamos a jornada em uma das belas estradas do mundo.


Começando a ver neve ainda longe do final.


Ainda pela manhã chegamos ao hotel que já fica próximo aos quatro mil metros de altura e eu assumi a liderança em assuntos que exigiam trato pessoal, em hipótese alguma gostaria que acontecesse algum dissabor que viesse a macular aquela aventura e digo que valeu a pena, o atendimento foi muito além das expectativas.

Devidamente instalados e com a firme decisão de no dia seguinte ir acampar no lago Orcones que fica quase aos pés do Aconcagua e se tem uma vista fantástica desta montanha fizemos deste primeiro dia um teste para saber o quanto eu estava fisicamente apto então vestimos nossas roupas e fomos caminhar primeiro andamos em torno das fontes de águas quentes desativadas (Terremoto) que ficam do lado esquerdo e depois fomos à direção do Aconcagua onde subimos um bocado forçando bastante eu porque para o Tiaraju era um passeio no parque. Um exemplo foi uma subida em um morro de neve que usamos para cortar o caminho em direção ao parque, parecia simples e singela, com uma perna de cada lado da franja a sustentação parecia perfeita isto até chegar ao meio do caminho, enquanto o Tiaraju prosseguia subindo alegremente cantando “The single in snow” o Leopold subia de quatro babando. Já na volta e comigo implorando por açúcar tomamos outro corte de caminho que passava por uma ponte de trem desativada há muitos anos, a idéia de passar por ela me arrepiou, mas a enorme confiança do Tiaraju e um corrimão merreca juntada com uma passarela que mal dava para um rato passar me deram à coragem necessária. Na verdade o que me incentivou realmente foi à absoluta falta de energia para voltar atrás e pegar o mesmo caminho de ida. Fui à frente passo a passo concentrado e eis que o Tiaraju me passa saltando os poucos dormentes e umas placas de metal que havia a cada espaço. Aquilo quase me derrubou, a facilidade com que ele se equilibrava em coisas que não tinha a largura de um meio-fio a uma altura de uns oitenta metros (o Rio Orcones era um filete lá de cima) me obrigou a se agarrar em um cabo e pedir a ele que parasse com aquilo senão inevitavelmente eu cairia. Ufa ele parou e ficou atrás de mim o resto da travessia. O fato é que na volta eu estava acabado, necessitava de açúcar urgente e me recordo bem no Tiaraju ter se lastimado de não ter pensado nesta situação. Chegamos ao hotel e expliquei a necessidade para o Senhor Armando, um garçom de outro planeta em atenção a nós e logo em seguida ele nos trouxe uns potes de geléia, pão e umas canecas com chocolate quente. Se de manhã quando eu acordasse não tivesse paralisado por dores musculares haveria esperança de concretizarmos o objetivo e bingo eu acordei inteiraço!

Cedo tomamos o café e nos vestimos para a expedição que basicamente era o mesmo caminho do dia anterior multiplicado por três e com o diferencial das mochilas. Estava me sentindo muito bem e o dia estava de um azul que só existe em alta montanha, a visão não encontrava nenhum obstáculo e tudo se encontrava enganadoramente perto.

Acompanhou-nos nesta jornada uma cachorra da raça pastor alemão e mais um cachorro de marca desconhecida (Ambos com base montada no hotel) que curiosamente era totalmente submisso a ela. Enquanto subíamos, eles não paravam de correr ora atrás de lebres e boa parte por puro prazer da liberdade e do se sentir vivo. Nestes momentos em que tudo é gigante e nós tão pequenos no ambiente acontece algo com o nosso espírito que nivela tudo e pelo máximo e isto explica o imenso amor que tantos têm pela montanha.


Tiaraju à frente eu fotografando.


Continuando, Tiaraju à frente e no fundo... - Muito prazer Aconcagua, eu vim lhe conhecer e dizer que nunca tinha lhe visto pessoalmente, mas já a amava profundamente.

A primeira visão do Aconcagua foi maravilhosa, a montanha nos recebeu com a máxima beleza possível, mesmo se encontrando a uns dez quilômetros do topo senão mais a visão era claríssima e digo depois de tantas vezes que lá retornei rara porque nas outras vezes sempre encontramos ela com véus de nuvens e necessitamos aguardar o momento que ela se descobria.

Eu na frente, Tiaraju fotografando, Aconcagua ao fundo. Sempre rio desta foto que virou um pôster, aparentemente é o João saúde em uma aventura, mas no caso presente eu estava terrivelmente cansado e estava parado pela absoluta impossibilidade de ir à frente.

Caminhamos, caminhamos, subimos, subimos e nada do lago Orcones nossa meta. Chegou um ponto que não era mais uma questão de parar para descansar, eu não podia mais ir em frente. Então o Tiaraju deixou a mochila e foi procurar sozinho o lago e o fez correndo até sumir de vista arf. Quando voltou a surpresa, nós já estávamos no lago só que a neve tinha coberto tudo. Aí montamos a barraca vírgula, ele montou, pois no meio da montagem eu arriei e entrei em coma por algum tempo. O Tiaraju fotografou (Não achei a foto, quando achar eu põe aqui) eu deitado com a boca aberta. Quando acordei a barraca estava pronta e ainda deu tempo de fazer algum passeio próximo aproveitando o belo dia.

Já restabelecido.

Já noite fomos para dentro da barraca e por causa do frio intenso íamos ter que jantar dentro dela. O Tiaraju decidiu fazer panquecas e para isto usou um fogareiro. Hehehe na próxima fez que isto acontecesse vou preferir nadar pelado no Orcones, melhor sentir frio do que morrer queimado em uma explosão.

Acordamos de manhã com o tempo virado, o céu estava completamente fechado e a primeira coisa que procurei foram os cachorros que dormiram do lado de fora e estavam afundados na neve. Surpresa! A uns trezentos metros um outro grupo tinha montado uma barraca para onde nós nos fomos depois. Eram franceses e iriam até ao pé do Aconcagua com a diferença que caminhavam de esquis especiais que tem o fundo recoberto de pele de foca, então para frente desliza e para trás não escorrega. Eles tinham um termômetro que naquela hora marcava dezesseis graus abaixo de zero. Ficamos juntos um tempo onde conversamos bastante embora até hoje não entenda como, o fato é que ficamos sabendo suas profissões e uma parte de suas aventuras. Um deles que trabalhava com eletricidade tipo uma Copel francesa me chamou muito a atenção por um detalhe, ele fumava sem tirar o cigarro da boca e explico o porquê, eu fumo, mas não fico com ele na boca, nunca quis pegar este hábito por decisão própria, fumando do jeito que fumo se eu o mantiver na boca vou amarelar mais ainda o amarelo e porque nunca gostei de ver a imagem que isto transmite. O problema lá é que quando se tira a luva gela muito rápido a mão então fica assim a situação, acende o cigarro sem a luva direita e depois a veste e tira a da mão esquerda e assim vai até terminar. Não era o caso dele até o momento do cigarro terminar e aí veio uma surpresa, eu juro para o Tiaraju que ele engoliu a guimba, no chão não estava e digo que nenhum amante da natureza cometeria este pecado e eles o eram com certeza, como ele não mexeu as mãos para nada fica aí o meu palpite. No meu caso eu apago e guardo no bolso as xepas.

Dezesseis abaixo de zero confirmado. Nada perto dos trinta graus abaixo de zero que a Iara e eu pegamos no El Tatio e ela precisava urinar, mas esta é outra história.

Eles prosseguiram e o Tiaraju e eu fomos passear explorando as redondezas. Na beira do rio Orcones embora que no alto do platô que estávamos o Tiaraju me explicava como se fazia para cruzar estas paredes extremamente inclinadas de pedras soltas, funciona assim, entra-se correndo nela e cada vez que o pé encosta e escorrega o outro já está iniciando a mesma coisa e a rapidez faz com que você não caia. Achar que ele ia se contentar com a explicação foi ilusão, sem mais sem menos ele se atirou no declive (Algo como setenta graus de inclinação) e mostrou que funcionava. Deu certo e pude agradecer minha boa sorte porque se não desse certo até hoje estaria recolhendo pedacinhos dele tal à altura do precipício. Com estas e outras eu quis registrar esta cena embora não queria que ele fizesse aquilo novamente, então pedi algo mais simples e perguntei se ele podia caminhar até a ponta de umas arestas que se projetavam fora do platô para eu o fazer uma foto o que ele aceitou e o fez com naturalidade embora aí exatamente acontecesse algo arrepiante quando ele escorregou e por um breve momento ficou no ar caindo e enterrando as mãos e os pés para se firmar o que obteve sucesso ufa! A foto abaixo mostra a aresta.

Foto abaixo - Nosso acampamento à distância, o ponto amarelo é a barraca e se encaminhando perto o Tiaraju, onde estou é o lado direito do lago para quem vem.

Assim passamos o dia e na aproximação da noite achei que o que eu queria já estava realizado e uma emoção diferente seria ficar só na barraca, mas esta idéia tinha a complexidade de no dia seguinte ter que desmontá-la. Então o Tiaraju ficaria e voltaria no dia seguinte e eu faria a volta de tarde sozinho o que também me trouxe um alto grau de satisfação pela bela sensação de solidão tão grata e que me faz um bem incrível. Extemporizei este pensamento ao Tiaraju e achei que ele sentiria o mesmo que eu embora não tenha dado a opção. No dia seguinte quando se encontramos a sensação que tive foi que deu certo para ele também, a solidão intencional na montanha ou no deserto realmente tem algo muito especial.

Iniciando o caminho de volta, a pastora decidiu por conta própria a quem acompanhar. Foto do Tiaraju a partir do acampamento.

Cheguei ao escurecer no hotel onde após o banho o Senhor Armando me serviu um belo jantar e as minhas custas um grande filé para a Pastora. Depois sentei com o dono do hotel onde conversamos enquanto tomávamos chocolate quente e aí fiquei sabendo das aventuras da nossa companheira Pastora. Incrível esta cachorra já tinha subido inúmeras vezes até o topo do Aconcagua acompanhando inúmeras expedições. A interação dela com os alpinistas são fantásticos e um exemplo disto ocorreu no dia seguinte quando eu pedi a ele que gostaria de uma foto junto com ela. Neste momento ela estava em canto do rol de entrada em um sono profundo e bastou ele dizer algo assim como – Fulana vá tirar uma fotografia que ela langorosamente foi à frente do hotel conosco e quando nos sentamos ela se deitou do meu lado e encostou a cabeça nas minhas pernas propiciando uma belíssima foto que no final acabou causando o maior dissabor da viagem.

Nesta manhã eu sozinho desci a beira do rio e fiquei passeando e curtindo as formações de gelo e quando voltei para cima já enxerguei o Tiaraju chegando onde nos abraçamos e deu para sentir que mesmo curta a aventura tinha sido recompensadora. Decidimos logo mais voltarmos para casa neste mesmo dia e feito os últimos tramites que incluem a foto com a Pastora pegamos o ônibus e descemos para Mendonza onde que por coincidência tinha um avião quase que imediato para Buenos Ayres e a noite já nós estávamos no aeroporto Ezeiza onde nosso vôo pela Varig aconteceria no dia seguinte. Montamos acampamento na capela do aeroporto. De manhã acordei mais cedo e fui escovar os dentes e quando eu voltei vi um padre entrando na capela e dando de cara com o Tiaraju ainda dormindo. O padre deu meio volta e saiu então acordei o Tiaraju e saímos de lá para evitar alguma confusão e fomos tomar café. Como o vôo da Varig ainda estava longe de acontecer surgiu à idéia que por fim trouxe uma mácula no que então teria sido uma viagem perfeita. Decidimos validar nossas passagens pelas Aerolíneas Argentina que tinha embarque imediato para São Paulo e assim o fizemos e já no anoitecer daquele dia estava deixando o Tiaraju em sua casa em Curitiba e rumando para a minha em São José dos Pinhais. O drama que ocorreu foi quando abri minha mochila e descobri que tinham furtado minha máquina fotográfica, barbeador e outras coisas que não me recordo. Não pelo valor do bem material e sim porque na máquina ainda estava o filme que continha a foto da Pastora comigo e esta perda foi irreparável.

Aconcagua visto e fotografado por nossa câmara a partir do acampamento com zoom de 120 mm. Para todos que quiserem reverenciar esta bela montanha ela fica do lado direito da estrada que leva ao Chile, passando a aduana da Argentina segue-se mais uns quilômetros e entra-se no Parque Nacional Aconcagua, no verão com mais certeza e no inverno às vezes é possível chegar de carro ou motor home bem dentro do parque e chegar bem perto desta mesma situação que a fotografia apresenta.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Lembranças do quartel.


Em 1971 fui selecionado pelo serviço militar obrigatório para servir em Brasília no BGP – Batalhão da Guarda Presidencial e em janeiro de 1972 me apresentei.

Uma longa viagem com o espírito aberto e um enorme problema de saída. Quando parti o meu grande amigo Naif que me acompanhou ao embarque realizado no quartel do Bacacheri fazendo uso de algo que ele é especialista (Ele tem muitas e por si só é uma das maiores histórias da minha vida) que é o uma maldade ardilosa. Na despedida com os ônibus já em movimento grita algo assim como - Aí Vanderléia – em menção aos meus cabelos que como aparecem nas fotos abaixo era bastante longo.



Em Ipanema na feira de artesanato conversando com a Connie, atrás o outro cabeleira era o Jacques seu marido. Ambos vieram dos Estados Unidos de motocicleta e ficamos amigos em Curitiba. Nesta ocasião que ocorreu um ano antes do quartel o Victor, o Naif e eu fomos visitá-los. Mais adiante o Victor que serviu no Rio de Janeiro acabou ajudando-os mais a se estabelecerem no Brasil.

Era uma grande cabeleira mesmo hehehe.
Imaginar o que isto fez da minha viagem é fácil para quem já foi jovem e sabe como a juventude pode ser maldosa. Pensando melhor até hoje vejo como uma característica humana o uso de mediocridades para poder infernizar seus semelhantes.

Mas se isto foi ruim também teve sua parte boa, criou uma casca que me fez procurar cuidar bem do número um.

O sufoco do apelido desapareceu logo, uma das primeiras coisas foi que o cabelo desapareceu e neste ínterim surgiram outros companheiros que por diferentes coisas ficaram alvos das chacotas dos deficientes mentais. Fui destacado para a companhia que faz a guarda presidencial o que significava um ano polindo botões e treinando ordem unida e tirando guarda de honra nos palácios. A foto abaixo mostra como era o uniforme:
O inicio da vida no quartel é torturante, chama-se a isto período básico que são três meses de reclusão onde tem que se aprender tudo sobre a vida militar desde toques de corneta a lavar sua própria farda. Um período administrável se não fosse um inconveniente, não como comida ruim e isto significava fome constante e, além disto, os poucos caraminguás que levei acabaram-se logo o que significou uma constante procura por alguém que fumasse para serrar um que depois seria transformado em cinco, duas tragadas e apagar duas tragadas e apagar ufa.
Uma curiosidade era o fato de eu na vida civil sempre usar coturno então na vida militar com todos aqueles deslocamentos e treinos de ordem unida meus pés permaneceram impecáveis porque continuei usando os meus que eram de oficial, agora as orelhas não escaparam e que me lembro acho que ninguém, aquilo que foi protegido anos do sol pelos cabelos fritaram de uma maneira impressionante.

Refeitório dos soldados. Eu sou o primeiro à esquerda.

Ainda constrito com companheiros. Eu sou o primeiro da direita.

O Batalhão visto de cima, o alojamento logo detrás da formação foi o meu primeiro, depois passei para a CCS – Companhia de Comandos e Serviços que fica a direita deste, mais adiante foi comum eu usar o alojamento do comandante ou então ficar em um quarto que aluguei no bairro Cruzeiro.

O Naif o amigo mencionado acima autor da malvadeza também tinha o lado bom que era a sua profunda facilidade em se adaptar e tirar o melhor proveito das situações. Ele servia na PE – Policia do Exército que tinha o quartel ao lado do meu. O Naif que fazia parte do contingente anterior (maio a maio) já era o antigão do quartel, ele fazia parte do grupo de motociclistas do exército que faziam aquelas apresentações de pirâmides em cima da moto e várias vezes pude vê-lo pilotando sua Harley Davidson por Brasília. Um dia ainda quando eu ainda era conscrito encontrei-o na divisa e conversamos com ele me dando dicas que foram fundamentais para um futuro feliz no exército, a mais importante delas foi o aviso que fariam um questionário perguntando a cada um suas habilidades e ele falou para eu colocar tudo como se soubesse fazer, o que eu queria realmente era também entrar para o pelotão de motos, mas isto no meu quartel era restrito para a graduação de sargento para cima e não houve maneira de contornar independente das amizades que fiz com este pessoal. O fato é que aconteceu o que ele tinha previsto e vieram as perguntas – Sabe dirigir caminhão? Sim embora nunca tivesse dirigido, sabe sei, sabe sei, PABX minha profissão natural, rádio sei de tudo e assim foi. Obviamente um gênio como eu não poderia ficar misturado com os outros e eis que fui chamado para uma entrevista com o subcomandante do batalhão um Tenente Coronel simpaticíssimo que infelizmente não me recordo o nome e junto também estava um major da administração que também não me recordo o nome, o objetivo era a escolha do soldado que iria substituir a ordenança do comandante e nas inúmeras perguntas a todas respondi positivamente. Fui nomeado.

Comandante Coronel Waldemar de Araújo Carvalho

Os dias de conscrito perdido na multidão se acabaram, no mesmo dia da nomeação já fui encaminhado ao alfaiate do exército onde ele confeccionou minhas fardas sobre medida e ganhei uma braçadeira cujas siglas significavam Ordem ao Comando. Daí em diante eu comecei receber continência por onde passava não que isto fosse lei e sim por desconhecimento da maioria do significado da braçadeira. De qualquer maneira o tratamento por parte dos oficiais mudou.

Quanto à comida que era o meu maior problema solucionei-o negociando na cantina dos oficiais a limpeza da cozinha em troca de comida, como trabalho não assusta achei ótima a troca. Se porventura o comandante precisa-se de mim logo após o almoço eles entendiam e tudo ficava bem.

Nos últimos testes para se tornar soldado aconteceu algo engraçado, eu não acertei nenhum tiro no alvo, na verdade eu quase nem enxergava o alvo embora achasse que ninguém enxergava também. Lembro-me que o responsável comentou que afinal não era tão importante porque as minhas funções já eram burocráticas e deu um ok no meu exame. O fato é que eu precisava de óculos e isto é uma coisa que você só sabe se fizer um exame de vista senão imagina-se que todos enxergam iguais.

Minha rotina logo se moldou, o Comandante Waldemar a quem eu servia era um militar de carreira e me dava pouco trabalho, pois nunca usava seu alojamento e que eu me lembro a coisa mais complicada era apontar seus lápis, pois ele não gostava de ponta fina então eu apontava e depois a desgastava rabiscando. Uma vez ele tentou uma invenção me chamando para tirar um risco da parede, deixei para ele uma parede para ser pintada e ele nunca mais me chamou para coisas deste gênero. De manhã minha função era ligar o rádio da rede dos comandantes e de tarde desligá-lo. Durante o resto do dia atendia telefones e comecei a namorar via fone a Marinalva que já fazia isto com a ordenança anterior a mim. Acabei indo conhecê-la no apartamento dela que ficava na asa sul, ele era filha de um tenente e muito mais que o amor ficou uma bela amizade e ótimos momentos de convivência.

Com o fim do período restrito comecei a sair frequentemente com o Naif que também tinha formado amizades fora, como eu tinha a minha moto tudo ficou mais fácil e rodamos muito em Brasília. Um caso sui generis fomos nós dois passando por um restaurante francês que estava acolhendo uma festa de casamento, o Naif sem pensar duas vezes me levou para dentro e nós com as honras de convidado participamos do jantar e digo que até hoje não comi uma lagosta tão boa como a que foi nos servida lá.



Quem estava batendo as fotos era o Naif.
Em maio veio à baixa do Naif e eu comecei sozinho a circular por Brasília que na época nada mais era do que um fabuloso circuito de velocidade com suas longas retas e curvas harmoniosas.

Uma particularidade deste período:
Ainda no primeiro mês escrevi uma carta para a minha família contando as novidades e também falei da dificuldade da falta de dinheiro, eis que minha mãe me envia uma carta com lindas notas de cruzeiros só que com um problema elas não estavam lá tinham sido roubados no correio e só havia menção escrita que elas estavam juntas com a carta. A frustração foi imensa ao ponto de eu conseguir uma licença especial para me ausentar do quartel e fui até os correios onde aprontei o maior escarcéu chamando tudo mundo de ladrão para cima. Ficou só nisto também porque ninguém me devolveu nada. Já no mês seguinte recebi um pacotão contendo comida que foi uma salvação já que minhas energias estavam se esgotando por falta de alimentação. E junto bem camuflado um dinheiro que logo doei para a Souza Cruz em troca de lindos maços de Mistura Fina.

Caminhando já para o meio do meu período de alistamento eis que chega para me visitar o Victor que também cumpria o seu serviço militar só que no Rio de Janeiro. Mesmo que o Naif e eu tenhamos tido sucesso em aproveitar as possibilidades nem de perto se comparava ao que o Victor atingiu neste curto período, ele estava servindo na policia secreta do exército e seu acesso era livre a qualquer ambiente, mais adiante no tempo o Naif e eu estivemos juntos com ele no Rio e não havia nada que impedisse a entrada dele nas melhores casas noturnas ou como mencionei qualquer lugar que fosse do interesse dele adentrar. E mais hehehe, não precisava cortar o cabelo. Imediatamente consegui alojamento para ele no quartel e já peguei uma licença extraordinária para sair.
Passeamos um bocado em Brasília e como era quinta-feira (Nas quintas-feiras eu ia até o Palácio do Planalto onde na parte debaixo tem um refeitório e nelas o prato era dobradinha, uma das melhores que já comi e em uma escala só perde para a dobradinha espanhola de Punta Arenas e para a dobradinha que uma vez a minha sogra fez). Depois passeando pelo centro de Brasília fomos até o supermercado Jumbo sendo que aí saí dobrando a moto nas curvas do estacionamento até o Victor reclamar que eu estava lixando o seu but e ergueu a perna tirando o equilíbrio da moto e nos fazendo cair, ele por cima e eu por baixo fazendo um Q. Suco do osso da minha perna. Na hora nem senti e quando me levantei a perna se dobrou sem a sustentação. O Victor providenciou o socorro e fui para o hospital de Brasília onde me trataram e depois me transferiram para o hospital militar.
No dia seguinte aconteceu uma das coisas mais interessantes no quesito prova de amizade, não que o Victor ou eu necessitasse disto para comprovar a lealdade da nossa amizade, mas aconteceu e o resultado foi nada menos que o esperado mesmo que no limite. O fato é que no dia seguinte quando ele foi me visitar na enfermaria dos quebrados eu já com a perna no esticador e com dores terríveis, bem não era tanto assim desde que eu não respirasse, pensasse ou piscasse e aí veio uma vontade imensa de evacuar, lembre-se que eu estava comendo bem e no Planalto tínhamos comido muito então não tinha como protelar. Passei a situação a ele e imediatamente ele providenciou uma comadre e com muito cuidado ajeitou ela na minha bunda e eu mandei o esgoto se abrir. Começou a sair e não parava, encheu a comadre e se esparramou pela cama, uma imundícia com um cheiro absurdamente horrível e não estou aumentando em nada basta dizer que ao meu lado tinha um acidentado de Goiânia chamado Leandro que tinha gesso no corpo inteiro (Duas pernas, bacia, um braço e mais algumas coisas, acidente de lambreta) e mesmo assim no horror a situação ele conseguiu sair do quarto junto com outros cinco quebrados que faziam parte desta enfermaria.

Nenhuma enfermeira socorreu, acredito até que elas tenham abandonado o hospital hehehe, mas o Victor não se abalou, sem socorro externo ele conseguiu com um atendente a reposição dos lençóis e material para me lavar e o fez Algumas horas depois eu estava completamente limpo em uma cama completamente limpa e isto com movimentos cirúrgicos, pois bastava olhar para a minha perna que a dor era terrível. Aí os quebrados puderam voltar para as suas camas.

Depois o Victor providenciou a guarda da moto que não teve muitos danos e retornou ao Rio e neste ínterim eu já tinha decidido comer o mínimo possível até poder ir ao banheiro o que aconteceu trinta dias depois aproximadamente. Esta ida também se revestiu de drama, foi o primeiro movimento efetivo após o acidente e não era mais possível protelar, arduamente consegui chegar à privada. Minhas fezes tinham se transformado em uma pedra áspera e muito grande e entalou na saída do ânus, lembrando agora é uma comédia, mas na hora a coisa virou um filme de horror, levei muito tempo tentando quebrar ela com os dedos e forçando o máximo possível, depois um longo, muito longo tempo e graças ao volume de sangue que acabou a lubrificando consegui tira-la. Um ano depois da baixa todas as vezes que eu evacuava ainda o fazia com sangue.

A partir deste momento eu comecei a me movimentar mais frequentemente e o hospital ficou muito divertido, a Marinalva e seu pai em uma das visitas me trouxe uma mala de revistas e livros, toda manhã e toda tarde eu recebia minha garrafa térmica de café e peguei uma habilidade incrível no uso da cadeira de rodas. E isto que uma boa parte do tempo eu podia me dedicar a acompanhar a rotina das enfermeiras, eu olhar o balanço daqueles corpos e as frestas dos seus uniformes já eram uma boa fonte de inspiração para se continuar vivo.

Por volta do quarto-mês no hospital o Victor veio me visitar de novo.

É notável o quanto se pode ser rápido em uma cadeira de rodas treinando todo dia.
O dominó era o jogo que dominava as enfermarias até a chegada de uns pára-quedistas do Rio de Janeiro que estavam lutando no Araguaia contra os comunistas, eles jogavam no baralho o Só Copas que é uma variante do Mal-Mal, este jogo ficou sendo uma febre até a minha saída. Como curiosidade nenhum deles tinha visto nenhum comunista e os internamentos eram uma boa parte por descuido dos outros soldados no manejo das armas ou então coisas diversas como pisar em arraias.

Uns cinco meses de internamento e chegou o dia da retirada final do gesso ufa. A primeira sessão de fisioterapia foi neste hospital mesmo e o fisioterapeuta era um imbecil chamado Chacon, o energúmeno depois de aquecer minha perna no forno jogou talco sobre ela e desenhou uns sinais cabalísticos comigo de bruços só olhando de viés. Acreditam que este umbandista lazarento firmou as suas mãos e dobrou a minha perna em um golpe! O estalo e a dor foram enormes e hasta la vista meu ligamento cruzado que até hoje continua rompido. O fato é que até ele se assustou da cagada que fez e de qualquer maneira foi à última em cima de mim, o resto da fisioterapia fiz no Hospital Sarah Kubitschek que era fantasticamente preparado embora o dano que o idiota já tinha feito era irreparável.

Voltei ao quartel e a minha companhia, o meu cargo de ordenança já estava preenchido então isto me possibilitou um relacionamento mais estreito com os companheiros que então já eram os antigões porque tanto a PE como a Cavalaria tinham renovado os seus contingentes em maio e os recrutas do BGP (já soldados) era o grupo mais antigo. Todas as ansiedades do grupo já estavam resolvidas então à convivência era muito agradável e não passava um dia que nós não se reuníssemos para jogar pôquer matando uns baseados. E graças a memórias do passado com freqüência me deixavam comer no refeitório dos oficiais ou então no dos sargentos e subtenentes e com o soldo acumulado no período do hospital o uso da cantina era normal.

E assim prosseguia eu capengando pelo quartel até um dia o Comandante da Companhia me juntar e perguntar por que eu não estava fazendo as rotinas de marcha, expliquei a ele o problema e por uma sorte incrível ele fez que entendesse nada e me obrigou a cumpri-las. O que este Capitão fez por mim fabuloso, tendo que marchar três vezes por dia além de cumprir a rotina de guarda acabou me fazendo parar de mancar e aprender a usar a perna da maneira que ficou. Um tempo depois ele ficou sem ordenança e eu assumi com prazer. Como já não tinha mais interesse em sair e o Victor tinha levado a moto para o Rio (Na época não imaginava o que me esperava pela frente) comecei a vender a guarda, como muitos soldados estavam fazendo aquilo que eu fiz no começo eles queriam sair então eu os substituía por um pagamento. Tirar a guarda era algo muito agradável para mim e o fazia tão freqüente que acumulei uma grana muito boa tanto que então só fumava Minister.

Se aproximando o dia da baixa ao contrário que podia parecer não havia euforia, eu mesmo achava aquela vida agradável e para continuar tinha até sondado as possibilidades de ser transferido para o EMFA – Estado Maior das Forças Armadas, mas sem muito esforço não consegui. Nesta fase o comando estava entregando um diploma de honra para os soldados que tinham se destacado e eu recebi o meu. Pouco antes do embarque nos ônibus que nos trariam o mostrei para o Damião que era o tipo de companheiro e soldado que eu gostaria de ter ao meu lado em uma guerra, ele foi neste seu tempo de quartel um soldado exemplar em todos os sentidos, mas por algum raio da burocracia ele não recebeu e como eu soube só naquele instante não pude fazer nada para que mudasse o fato. Foi à nódoa que entristeceu a viagem de volta.


Naif Saleh Neto à esquerda, Victor Emmanuel Mendes e Silva no meio e eu. Uma história de milhões de páginas.